Em Santa Catarina, um veículo de 1977 movido a gasogênio mantém viva uma tradição familiar de engenhosidade e sustentabilidade, percorrendo longas distâncias com madeira.
Em Benedito Novo, Santa Catarina, um brasileiro mantém um carro de 1977 movido a lenha. O veículo percorre até 80 km com 20 kg de madeira e liga com fósforo.
Elemer Schmidt, de Benedito Novo, Santa Catarina, mantém vivo um legado de engenhosidade automotiva. O veículo, construído por seu pai em 1977, opera com um sistema de gasogênio, utilizando lenha como combustível e percorrendo até 80 quilômetros com apenas 20 quilos de madeira. Este carro, que dispensa gasolina ou álcool, representa uma solução criativa para a mobilidade.
A peculiaridade do automóvel se estende ao seu método de ignição: um pedaço de jornal e um fósforo são suficientes para dar partida. Após acender o fogo e ativar uma ventoinha, o motor entra em funcionamento por sucção em cerca de um minuto. Dentro do veículo, há dois aceleradores distintos, um para o gás da lenha e outro para um tanque auxiliar de 10 litros de gasolina, que serve para emergências em viagens mais longas.
O princípio que rege o funcionamento do carro é o gasogênio, uma tecnologia desenvolvida durante a Segunda Guerra Mundial como resposta à escassez de combustíveis fósseis. Esse sistema transforma a queima de madeira em um gás inflamável, capaz de alimentar motores a combustão. No Brasil, entre as décadas de 1940 e 1950, o gasogênio foi uma alternativa comum em regiões rurais, demonstrando ser uma solução engenhosa e renovável.
O processo, conhecido como gaseificação, envolve quatro etapas: secagem, pirólise, oxidação e redução. Inicialmente, a madeira perde umidade; em seguida, o calor a decompõe, liberando gases. Parte do carbono reage com o oxigênio, gerando calor, e o dióxido de carbono resultante interage com o carbono remanescente, formando monóxido de carbono, o principal gás combustível. O resultado é o “gás pobre”, uma mistura que, apesar do baixo poder calorífico, é suficiente para mover o motor.
A construção da limousine de 1952, adaptada por Arnoldo Schmidt e seu filho Elemer, levou seis meses e foi concluída em 16 de outubro de 1977. Em 1982, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) homologou a adaptação, emitindo um certificado reconhecido pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Este documento assegura que o carro pode circular legalmente por todo o território nacional, uma conquista que garante tranquilidade à família.
Ao longo dos anos, o veículo se tornou parte da história local. Elemer relembra viagens a Curitiba, Lages e Florianópolis com o automóvel de duas toneladas, que registrou apenas um acidente leve em mais de setenta anos de existência. Contudo, o uso do gasogênio implica uma redução de 30% a 40% na potência do motor e exige manutenção constante, como a limpeza frequente dos filtros e o uso de lenha seca e uniformemente cortada.
Apesar das propostas de compra, Elemer nunca aceitou vender o carro, mantendo a invenção como um valioso legado de seu pai, Arnoldo Schmidt, falecido em 2021. A família, inclusive, guarda peças de reposição há mais de 40 anos, garantindo a longevidade do veículo. A limousine de 1952 transcende a curiosidade, tornando-se um símbolo de engenhosidade, afeto e resistência, com Elemer prometendo passá-lo como herança para seu filho.
Enquanto o cenário global busca por veículos elétricos e energias limpas, a limousine movida a lenha de Benedito Novo continua a rodar, marcando sua passagem com o som do motor e o cheiro da fumaça. Essa história desafia o tempo e ressalta como a criatividade e a necessidade podem gerar soluções duradouras, mantendo viva uma chama que começou há quase meio século.

