Milhares de fiéis reunidos na Praça de São Pedro, no Vaticano, explodiram em emoção ao ver a fumaça branca subir da chaminé da Capela Sistina. Era o anúncio visual e ritualístico de que os cardeais reunidos em conclave haviam chegado a um consenso: a Igreja Católica tem um novo papa. Poucos minutos depois, o cardeal Dominique Mamberti, camerlengo da Santa Sé, surgiu na sacada da Basílica de São Pedro e, em latim solene, pronunciou a célebre frase que ecoa há séculos: “Annuntio vobis gaudium magnum: habemus papam!”
O escolhido é o americano Robert Prevost, de 69 anos, nascido em Chicago, Illinois, e descrito por seus pares como um “moderado construtor de pontes”, com uma abordagem pastoral marcada pelo diálogo, um olhar sensível às realidades globais e vasta experiência administrativa na Cúria Romana. Ele assume o pontificado com o nome de Leão XIV, evocando uma linhagem papal que remonta ao século XVIII, quando Leão XIII se notabilizou por sua abertura ao pensamento social moderno, sendo autor da encíclica Rerum Novarum (1891), marco da doutrina social da Igreja.
Uma escolha que dialoga com os desafios do século XXI
A eleição de Prevost ocorre em um momento de grandes tensões globais: mudanças climáticas, migrações forçadas, retrocessos democráticos e o avanço de políticas identitárias excludentes. Ao escolher um pontífice norte-americano, os cardeais enviam um sinal de que desejam combinar governança firme com uma abertura pastoral que reconcilie a tradição com os dilemas contemporâneos.
Prevost traz em seu currículo mais do que simbolismos. Ele já comandava um dos postos mais estratégicos da Cúria: era prefeito do Dicastério para os Bispos, órgão responsável pela nomeação de episcopados em diversas partes do mundo. Também é doutor em Direito Canônico pela Universidade de Santo Tomás, em Roma, e foi missionário por mais de uma década no Peru, onde aprendeu espanhol e envolveu-se com comunidades empobrecidas e indígenas — o que lhe conferiu uma reputação de “pastor com os pés na terra”.
“Sua trajetória combina pragmatismo pastoral e visão internacionalista, características raras e cada vez mais exigidas de um líder global como o papa”, analisou o teólogo Massimo Faggioli, da Villanova University (EUA), em entrevista à revista La Civiltà Cattolica.
A força do símbolo: um papa americano
A eleição de um papa oriundo dos Estados Unidos é, por si só, carregada de significados. Embora o país tenha a quarta maior população católica do mundo (cerca de 73 milhões), nunca antes um americano havia sido escolhido como pontífice. O gesto dos cardeais pode ser lido como uma tentativa de conciliar o peso geopolítico dos EUA com a complexidade da diplomacia vaticana — tradicionalmente orientada para o Sul Global, mas cada vez mais desafiada por temas como polarização ideológica, conservadorismo reativo e crise de vocações.
Além disso, é um contraponto sutil à própria dinâmica eclesial dos últimos pontificados: João Paulo II, vindo do Leste Europeu, Bento XVI, da Alemanha racional e teológica, e Francisco, primeiro latino-americano a assumir o papado, vindo do “fim do mundo”. Prevost, por sua vez, representa a Igreja globalizada, técnica, mas pastoral, com trânsito em múltiplos mundos: do Peru ao Vaticano, da academia ao missionariado.
A eleição: um conclave breve, mas decisivo
A votação realizada na Capela Sistina, respeitando os ritos e sigilos da tradição, chegou ao nome de Prevost após quatro escrutínios, o que indica uma votação relativamente rápida. Para ser eleito, o candidato precisava de pelo menos 89 votos entre os 133 cardeais votantes.
Entre os participantes, sete brasileiros tiveram voz ativa no processo: os cardeais Dom Odilo Scherer, Dom Orani Tempesta, Dom Leonardo Steiner, Dom Paulo Cezar Costa, Dom Jaime Spengler, Dom Sérgio da Rocha e Dom João Aziz.
Primeiras palavras como pontífice: bênção e promessa de continuidade
O novo papa Leão XIV surgiu na sacada da Basílica com semblante calmo e sereno. Após alguns minutos de silêncio reverente, dirigiu suas primeiras palavras à multidão reunida na Praça de São Pedro e aos milhões que acompanhavam pelas transmissões ao vivo. Em tom comedido, pediu orações, citou os seus predecessores e reafirmou a necessidade de “construir pontes em tempos de muros”.
A tradicional bênção “Urbi et Orbi” (à cidade e ao mundo) foi recebida com lágrimas, aplausos e cantos por fiéis vindos de todo o planeta. A Praça de São Pedro, tomada por mais de 20 mil pessoas, tornou-se novamente o epicentro simbólico da fé católica global.
Uma liderança entre o mistério e a esperança
A eleição de Leão XIV inaugura um novo ciclo para a Igreja Católica. Combinando moderação e firmeza, tradição e adaptação, espiritualidade e pragmatismo, Robert Prevost assume o trono de Pedro com o desafio de manter a unidade interna da Igreja, enfrentar a crise moral de abusos, dialogar com as juventudes seculares e defender os direitos humanos em tempos sombrios.
Em um mundo profundamente fraturado, a voz de Roma — quando coerente com o Evangelho — ainda possui ressonância ética, simbólica e política. Se o novo pontífice conseguirá honrar essa expectativa, só o tempo dirá. Por ora, como manda a liturgia mais humana da fé, resta rezar por ele.
“O papa é o servo dos servos de Deus”, lembrava São Gregório Magno. E talvez seja esse o papel mais urgente de Leão XIV: servir com sabedoria, em tempos que pedem humildade e esperança.”
Crédito: Semana ON